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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto considera que a violência dirigida a mulher adúltera é menos gravosa do que a dirigida a mulher “honesta”

 

(…)Ora, o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem.

Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte.

Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte.

Ainda não foi há muito tempo que a lei penal (Código Penal de 1886, artigo 372.0) punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando sua mulher em adultério, nesse acto a matasse.

Com estas referências pretende-se, apenas, acentuar que o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher.

Foi a deslealdade e a imoralidade sexual da assistente que fez o arguido X cair em profunda depressão e foi nesse estado depressivo e toldado pela revolta que praticou o acto de agressão, como bem se considerou na sentença recorrida. (…)”

Tribunal da Relação do Porto, Acórdão de 11 Out. 2017, Processo 355/15 in Jusnet.pt

 

Não é apenas por ser Mulher, nem apenas por ser Sócia, Administradora e Advogada numa Sociedade de Advogados – cuja equipa é constituída na sua maioria por Mulheres, mas também por Homens, que honram, respeitam e defendem, de profissão e de coração, a Constituição da República Portuguesa, os princípios de igualdade e de não discriminação, os valores de justiça e todos os emergentes da revolução democrática que nos trouxe até 2017 e que me permitem escrever este texto sem receios de represálias (ou em que o risco de as sofrer compensa a manifestação da minha posição) – mas em razão de ser tudo isto, que me vejo forçada a manifestar o total repúdio pelo entendimento do Exmº Senhor Desembargador no tão falado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto no excerto que cito supra, no sentido de que a violência doméstica (ou violência, ponto) é menos gravosa quando dirigida a uma mulher adúltera.

Os Tribunais, enquanto defensores dos valores legalmente consagrados pela comunidade em pleno exercício do seu voto, não podem lançar mão de visões arcaicas e discriminatórias que não se compadecem com esses mesmos valores, perigando e abalando de forma inadmissível o esforço que tem vindo a ser empreendido para o reconhecimento dos direitos dos CIDADÃOS no que toca à defesa por parte da lei e do Estado, das atrocidades de que são alvo no seio das suas próprias casas em múltiplos episódios de violência doméstica que todos os dias fazem página na comunicação social.

Um representante do Estado, em nome da Justiça, não pode, de maneira alguma, trazer à luz do dia, no exercício da sua profissão, as suas próprias visões arcaicas tradutoras da pequenez da sua índole. Fazendo-o não dignifica a Beca que veste, não dignifica o papel que assume.

Nós, na MRA, iremos formalizar junto do Conselho Superior de Magistratura, bem como junto da Comissão para a Igualdade recentemente criada, a queixa que se impõe no sentido de garantir que a Justiça continuará a traduzir o senso da comunidade a que serve, e não dos patriarcados que infelizmente ainda assolam as nossas instituições.