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Nacionalidade Portuguesa – “Laços de efetiva ligação à comunidade” – Proposta de Regulamento da Lei da Nacionalidade

Luz ao fundo do túnel para os processos de aquisição de nacionalidade pelo casamento e atribuição de nacionalidade a netos de cidadãos portugueses (ver novo artigo após entrada em vigor das alterações mencionadas aqui)

“O presente decreto-lei não se limita, no entanto, a regulamentar as Leis Orgânicas nºs 8/2015 e 9/2015, aproveitando-se esta intervenção para introduzir algumas melhorias no procedimento de atribuição e aquisição da nacionalidade, tornando-os mais justo e célere para o requerente”

É essencialmente com base neste pressuposto que o Governo propõe (finalmente) a regulamentação da Lei da Nacionalidade após as alterações introduzidas pelas Leis Orgânicas n.º 8 e 9/2015.

Como já tive oportunidade de referir aqui, as alterações introduzidas não estão, ainda, em vigor, aguardando a tão esperada regulamentação que determine o modus operandi da sua efetiva implementação.

O prazo para esta regulamentação era de 30 dias, volvidos quase 2 anos, eis a proposta de regulamentação. No entanto, estranho é que esta proposta seja apresentada precisamente enquanto se discute outra alteração à lei da nacionalidade, sobre a qual escrevi aqui. Esta proposta encontra-se a ser discutida na especialidade.

Voltando ao essencial.

A Lei Orgânica n.º 9/2015, de 29/07 revogou o nº 4 do art.º 6 da Lei da Nacionalidade e introduziu uma nova redação do art.º 1º da Lei da Nacionalidade.

Determinou-se então na alínea d) do art.º1 que são Portugueses de origem os netos de Cidadão Português.

Isto significa que os filhos, mesmo maiores, de netos de cidadãos portugueses poderão pedir a atribuição da sua nacionalidade portuguesa, também ela originária.

Isto tanto para os cidadãos que já obtiveram a nacionalidade por netos ao abrigo da lei anterior e, portanto, se naturalizaram portugueses, como os que venham agora obter a nacionalidade portuguesa originária por atribuição.

Esta sempre foi uma alteração positiva da Lei. Contudo, e com um sabor agridoce, trazia consigo um pequeno grande “senão”:  os netos passavam a ter de provar ter ligação efetiva à comunidade portuguesa.

E a prova de ligação efetiva à comunidade portuguesa é dos conceitos abstratos de mais difícil e incoerente preenchimento por parte das conservatórias e tribunais.

Mormente aplicado na aquisição de nacionalidade pelo casamento, é gerador de inúmeras injustiças onde dois casos idênticos redundam mais das vezes em resultados absolutamente diferentes – a um é concedida a nacionalidade, e a outro não.

Pois bem, esta proposta traz-nos algumas boas notícias a este propósito. Dela retiramos inequivocamente a pretensão de se criar uma presunção legal do que consubstancia a dita ligação efetiva à comunidade portuguesa.

O que é que isto significa? Que finalmente saberemos o que, para o legislador, significa na prática “ter efetiva ligação à comunidade portuguesa” e que, verificados estes factos, as conservatórias e os tribunais terão de, sem margem para grandes dúvidas ou variações, considerar que um cidadão tem ligação à comunidade portuguesa.

 

Num primeiro momento, vem o legislador introduzir uma presunção relativamente à ligação efetiva à comunidade portuguesa no artigo 56º do Regulamento, onde se prevê a possibilidade de oposição pelo Estado, através do Ministério Público, à aquisição da nacionalidade portuguesa.

Servirá esta presunção aos processos de naturalização, ou seja, de aquisição por efeito da vontade. O maior impacto sentir-se-á essencialmente nos processos de aquisição de nacionalidade pelo casamento e de filhos menores de naturalizados.

Esta presunção assentará essencialmente na verificação de UMA das seguintes circunstâncias:

A- Quando o declarante seja menor ou incapaz:

  • Seja natural e nacional de país de língua oficial portuguesa e aí resida há mais de cinco anos;
  • Resida em Portugal nos 5 anos anteriores ao pedido, tendo Número de Identificação Fiscal e de Serviço Nacional de Saúde;
  • Sendo menor em idade escolar, comprove a frequência escolar em território nacional.

B – Quando o declarante seja maior:

  • Seja natural e nacional de país de língua oficial portuguesa, casado ou vivendo em união de facto há, pelo menos, cinco anos, com nacional português originário;
  • Seja natural e nacional de país de língua oficial portuguesa e existam filhos, portugueses de origem, do casamento ou da união de facto;
  • Conheça suficientemente a língua portuguesa, desde que casado ou em união de facto com português originário há, pelo menos, cinco anos;
  • Resida legalmente em Portugal nos 3 anos anteriores ao pedido, tendo Número de Identificação Fiscal e de Serviço Nacional de Saúde e comprove frequência escolar em território nacional;
  • Resida legalmente em Portugal nos cinco anos anteriores ao pedido, tendo Número de Identificação Fiscal e de Serviço Nacional de Saúde.

O grande perigo desta presunção é a de que a Conservatória tendencialmente parte do particular para o geral. Corre-se sério risco de que a Conservatória passe apenas a deferir os pedidos que tenham cabimento numa destas situações, remetendo para o Ministério Público todas as outras. NÃO é esta a intenção do legislador!!

A intenção do legislador é a de facilitar o preenchimento de um conceito abstrato e NÃO o de alterar os pressupostos legais do direito à nacionalidade por via do casamento! E nesses não existe tão pouco a exigência de demonstração de qualquer elemento de ligação efetiva à comunidade portuguesa.

A ver vamos…

 

Quanto aos netos:

Adita esta proposta ao regulamento o art.º 10º-A que versa especificamente sobre a alteração ao art.º 1º da Lei da Nacionalidade.

Suspeito que muitas confusões surgirão na aplicação prática deste artigo que, convenhamos, não prima pela clareza e sentido prático….

Ora bem, do nº 2 deste novo artigo, depreende-se que a ligação efetiva à comunidade nacional dos netos de cidadão português terá se ser reconhecida expressamente pelo Governo (presumo que continuará a Conservatória dos Registos Centrais ou os Balcões de Nacionalidade a exercer este poder em delegação).

Este reconhecimento far-se-á nos termos do disposto nos nºs 4 e 7 do art.º 10º A.

Determina-se no nº 4 que o Governo reconhece a ligação à comunidade nacional quando o declarante:

  • Seja natural e nacional de país de língua oficial portuguesa e aí resida há mais de cinco anos;
  • Resida legalmente no território português nos três anos imediatamente anteriores ao pedido, tendo Número de Identificação Fiscal e de Serviço Nacional de Saúde e comprove frequência escolar em território nacional OU demonstre o conhecimento da língua portuguesa;
  • Resida legalmente no território português nos cinco anos imediatamente anteriores ao pedido, tendo Número de Identificação Fiscal e de Serviço Nacional de Saúde.

Quando o requerente não preencha nenhum destes requisitos, ou seja, em todas as situações não previstas no nº 4, então este reconhecimento é apreciado pelo Governo com base na declaração prestada em como tem ligação efetiva à comunidade portuguesa e com base nos documentos que terão de ser juntos com a declaração e elencados exemplificativamente na alínea e) do nº 3 do citado artigo.

Os netos dos cidadãos portugueses terão de instruir o seu processo com:

  • certidão de registo de nascimento;
  • certidões de registo de nascimento do ascendente do segundo grau da linha reta de nacionalidade portuguesa e do progenitor que dele for descendente;
  • certificados de registo criminal emitidos pelos serviços competentes portugueses, do país da naturalidade e da nacionalidade, bem como dos países onde tenha tido e tenha residência;
  • documento comprovativo do conhecimento suficiente da língua portuguesa e;
  • documentos que comprovem a efetiva ligação à comunidade nacional, designadamente:
    • residência legal em território nacional;
    • deslocação regular a Portugal;
    • propriedade em seu nome há mais de 3 anos ou contratos de arrendamento com mais de 3 anos de imóveis sitos em Portugal;
    • residência ou ligação a uma comunidade histórica portuguesa no estrangeiro;
    • participação na vida cultural da comunidade portuguesa do país onde resida, nomeadamente nas atividades das associações culturais e recreativas portuguesas dessas comunidades.

Primeira dificuldade: “designadamente“. A Conservatória (e muitos dos intérpretes legais) parecem esquecer o significado importantíssimo do advérbio “designadamente“. Designadamente não é nomeadamente, e não significa TODOS os elementos elencados, mas sim, os elementos elencados OU quaisquer outros que comprovem o que a lei pretende (lembram-se? teoria geral do direito civil, enumeração taxativa vs exemplificativa? interpretação da lei…..). Já antecipo as exigências disparatadas e exaustivas das conservatórias a solicitar a entrega de todos aqueles elementos e a recusar processos dos quais não constem aqueles documentos e constem outros não elencados… Mais uma batalha!

Segunda dificuldade: Serão estes elementos exigidos também nas situações elencadas no nº 4 do artigo 10º-A? Ou seja, o declarante que reúna os elementos necessários para que à sua situação seja aplicável a presunção do nº 4 terão também de apresentar, além dos documentos que comprovem o circunstancialismo da presunção, algum dos documentos elencados na alínea e) do nº 3?.

Não parece fazer qualquer sentido que assim seja, já que do artigo 10º-A parece querer resultar que:

  • ou a situação do declarante se subsume a uma das situações do nº 4 e o Governo reconhece que existem laços de efetiva ligação à comunidade nacional;
  • ou a situação do declarante não tem cabimento na presunção do nº 4, e o Governo reconhece que existem laços de efetiva ligação à comunidade nacional nos termos do nº 7, com base na declaração apresentada e nos documentos que sejam juntos nos termos da alínea e) do nº 3 (algum daqueles ou quaisquer outros!)

É, de resto, a única interpretação que fará sentido, tanto mais que no nº 7 refere expressamente o legislador “excetuando as situações previstas no nº4“.

Antecipo, contudo, que esta interpretação terá de ser batalhada a ferro e fogo com a Conservatória…..

 

De notar que, no geral, este regulamento porá fim a diversas quizilas jurídicas de interpretação da lei da nacionalidade e do procedimento mais adequado à sua implementação.

De louvar desde logo, como transversal a todas as situações em que seja exigida a demonstração do conhecimento da língua portuguesa, que esta se presumirá quando os interessados sejam naturais e nacionais de país de língua oficial portuguesa.

Esta será uma das grandes alterações ao procedimento instalado. Já há muito nos debatíamos com esta questão, consubstanciando prova viva da burocracia das nossas instituições a exigência de comprovativo de conhecimento de língua portuguesa por 2 anos (!) a requerentes oriundos de países de língua oficial portuguesa. Isto porque a lei sempre dispensou de prova factos notórios, e digamos que notório é que um cidadão brasileiro ou angolano saibam falar português….

Menos uma batalha!

De louvar ainda a dispensa de apresentação de certificado de registo criminal do país da naturalidade ou do país da nacionalidade sempre que o interessado comprove que aí não teve residência após ter completado os 16 anos.

Outra batalha finalizada e, modéstia à parte, a nosso favor. Era precisamente um dos argumentos pelos quais nos debatíamos. Qual o sentido de se exigir um certificado de registo criminal numa idade em que esse certificado simplesmente NÃO existe? Nenhum…logico, mas o legislador tem de o dizer expressamente quando os intérpretes estão cada vez menos munidos de sensatez e razoabilidade e atolados de burocracia….

Peca o regulamento por nada dizer quanto à questão do procedimento a observar pelos netos de cidadãos portugueses que já sejam portugueses por naturalização.

Apesar do regulamento ser omisso a este propósito, a Lei da Nacionalidade assegura que os netos naturalizados também passam a ser portugueses de origem. Nada se exigindo em termos procedimentais, teremos de presumir que este averbamento se fará oficiosamente ou a requerimento do interessado.

Certo é que os seus filhos e netos poderão pedir a atribuição da sua própria nacionalidade por serem filhos e netos de cidadãos portugueses de origem.

 

Enfim, concluindo:

Trata-se de um regulamento que, acarretando alguns perigos, nos traz também elementos apaziguadores em batalhas antigas há muito travadas.

Poderá ser aprovado em breve, e se o for nestes termos, significa que os netos dos cidadãos portugueses podem ficar descansados quanto aos seus processos porque o cenário não é tão negro como temíamos. Significa ainda que podem começar a pensar tratar das atribuições de nacionalidade dos seus filhos maiores que não tinham direito à nacionalidade portuguesa, mas que passarão a ter.

Também a presunção do artigo 56º representará excelentes notícias para muitos processos de aquisição de nacionalidade pendentes quer nas conservatórias quer nos tribunais!

Aguardaremos os próximos capítulos e esperemos que estejam para breve!

 

Obrigada pela atenção e até breve!